segunda-feira, 31 de março de 2008

Esperança

Li este testemunho aqui e, de tão belo, apesar de duro, achei que tinha que partilhá-lo sobretudo com aqueles que, como eu, às vezes precisam de encontrar novas forças para prosseguir a missão.

Hope
19-10-2007
Quando casei em Setembro do ano 2000 estava decidida a ficar grávida assim que a natureza quisesse. Mal regressei da lua-de-mel deixei de tomar a pílula com a firme convicção que comigo era "tiro e queda". O grande sonho da minha vida sempre foi o de ser Mãe e de preferência de cinco! Ao fim de três meses sem qualquer contracepção já chorava quando que me vinha o período. Decidi então marcar uma consulta para o ginecologista que me seguia na época. Fiz as análises da praxe, o meu marido o primeiro de muitos espermogramas. Fomos aconselhados a "treinar" (palavra odiosa...) porque ainda era muito cedo para exames mais detalhados. Foi a primeira fase difícil na minha luta contra a infertilidade, a época em que comprava testes e mais testes de gravidez, a época de contar os dias, as horas, de devorar calendários e de chorar, sempre desalmadamente, a cada tracinho que não aparecia, a cada caixa de pensos higiénicos que comprava, sempre no próprio dia para não dar azar... Passaram sete meses desde a consulta, o que para mim já era tempo demais. Marquei nova consulta e disse ao médico que queria fazer os tais exames mais detalhados. Eu já tinha 29 anos e o meu marido 37. Achava que estava a lutar contra o tempo. Tive sorte! O médico deu-me ouvidos e encaminhou-me logo para o Prof. Alberto Barros, no Porto. Se eu queria fazer exames então que os fizesse no sítio certo.
Nunca me esquecerei do dia em que conheci o Professor. Se fechar os olhos ainda consigo sentir o calor da mão que apertei, o carinho, a compreensão, o brilho do olhar, a calma, a confiança, a intensidade do perfume inconfundível a que é fiel. Lembro-me das palavras, dos conceitos, das explicações. Sobretudo, consigo recordar a enorme esperança que nos transmitiu e que se renovava a cada encontro, a cada sorriso, a cada olhar. Quando posteriormente conheci a equipa, médicos, biólogos, enfermeiras, recepcionistas, que trabalha na clínica, senti que a esperança se renovava em cada um deles. Iniciei então a saga das análises, histerosalpingografia, histeroscopia, cariótipos, espermogramas, ecografias e ao fim de 2 meses fiz a primeira estimulação. Como não havia qualquer impedimento à gravidez (ambos somos férteis) subimos a pulso todos os estádios da PMA. Em apenas dez meses submeti-me a quatro estimulações e três IA, sem sucesso. Fazíamos parte daquela pequena percentagem de casais que sofrem de infertilidade inexplicada. O próximo passo seria a FIV.Aqui as expectativas foram novamente elevadas. Como não havia qualquer explicação para a nossa infertilidade acreditei que na FIV eu ia engravidar DE CERTEZA! Não foi assim. A FIV correu mal. Por qualquer motivo que mais uma vez ultrapassava o conhecimento científico possível (não é permitida a experimentação em casos clínicos), os espermatozóides não conseguiram fecundar o ovócito ou foi este que não se deixou fecundar, não sabemos, e foi feita uma ICSI de emergência. Resultaram três embriões, fraquinhos, transferidos ao terceiro dia. Avisaram-nos logo que uma gravidez seria pouco provável. No dia em que menstruei não tive qualquer reacção. Já sabia que o nosso sonho ia ser adiado, mas por pouco tempo. Três meses depois já estava a preparar-me para a primeira ICSI completa, que correu lindamente e resultou no meu primeiro positivo. No dia da BHCG já tinha algumas perdas de sangue que podiam, no entanto, ser normais. Com o resultado na mão telefonei ao meu marido, fui ter com ele e disse-lhe que ia ser Pai. Assim, sem mais nem menos: Vais ser Pai! E ele abraçou-me como se lhe tivesse dado a Lua de presente.
Não foi, não aconteceu assim. E então eu desesperei. Zanguei-me com o mundo, zanguei-me com Deus. Baixei os braços e olhei à minha volta: Era o deserto. Na minha luta contra este monstro invisível eu tinha-me esquecido de tudo o resto. Tinha esquecido os amigos, tinha negligenciado o trabalho, mas acima de tudo tinha-me esquecido de mim. Tive que reaprender a olhar à minha volta e não apenas para o meu umbigo. Foi a segunda fase difícil que passei. Nunca estive tão perto de desistir como então. Estive oito meses a recuperar forças, a reconstruir laços, a lamber as feridas, as minhas e as dos outros. Voltei a sair, a divertir-me, a beber um copo de vinho se me apetecesse, a viajar sem adiamentos. Deixei de adiar o que quer que fosse por causa dos tratamentos. Estes é que tinham que esperar se fosse preciso! Dei a volta por cima e voltei a ser eu a dona do meu nariz.
Quando decidi que estava pronta, avancei, sem medos e com os pés bem assentes na terra. Eu tinha um sonho grande e difícil de alcançar. Desistir de engravidar significava para mim desistir do sonho da minha vida. Durante todo o percurso tive consciência que o meu sonho poderia não se concretizar, mas no entanto tinha também a certeza que não queria, um dia mais tarde, olhar para trás e arrepender-me de não ter tentado. Eu queria olhar para trás e ver que fiz TUDO o que estava ao meu alcance para o realizar. Só assim poderia viver em paz comigo própria e com quem me acompanha pela vida.
Meti então pés ao caminho e fiz uma terceira ICSI que nem ilusões nos permitiu ter: apesar do Utrogestan, nem um dia o período se atrasou. Na quarta ICSI (hiper estimulada) a única coisa positiva foi termos pela primeira vez conseguido congelar três blastocistos!
Quando transferimos estes “congeladitos”, um deles campeão, não tínhamos muita esperança numa gravidez. Sabíamos que as percentagens de sucesso eram bem menores nestes casos e por isso mesmo estive sempre muito tranquila na minha espera. À medida que se aproximava o “dia Beta” a ansiedade ia aumentando devagarinho, até porque, para além de não ter indícios de menstruação, achava eu que tinha sintomas de gravidez. Era o peito dorido, os mamilos mais escuros, os cheiros que me incomodavam, uma ou outra tontura… Convenci-me que estava grávida! Fui fazer a análise e pedi por tudo para que ma entregassem às duas da tarde porque não ia aguentar muito mais tempo. Pouco passava das duas quando o meu marido me telefonou a dizer que afinal a análise só estaria pronta às cinco. O que eu não sabia é que o resultado tinha sido negativo e que ele obrigou o laboratório a fazer uma contra-análise porque só se podiam ter enganado. Se eu estava grávida o resultado não podia ser aquele… Quando depois das cinco, ele entrou em casa, chorámos os dois convulsivamente até esgotarmos todas as lágrimas.
Quando na quinta ICSI o resultado foi novamente negativo estive muito perto de desistir. Fui invadida por uma enorme frustração que me sufocava. Não por mais uma vez não estar grávida, nem por ter que fazer tratamentos se queria engravidar, nem por ser o meu décimo terceiro tratamento, nem por nada do que passei e continuava a passar. O que me esmagava era não saber o porquê. Se estava tudo sempre tão bem porque é que o meu positivo não chegava?? Estava cansada de lutar contra o monstro invisível da infertilidade. Sentia que me faltavam as forças para continuar...
Decidi tirar mais umas férias de tratamentos. De vez em quando era preciso voltar a ter uma vida normal.

Quando me senti preparada para avançar para mais um tratamento, o décimo quarto, pedi ao meu médico assistente para voltar a repetir alguns exames. Queria ter a certeza que continuava fisicamente bem ao fim de três anos e tal de tratamentos em regime intensivo. Foi o melhor que fiz. Na histeroscopia descobriram-me um mioma no canal cervical, mesmo perto do colo do útero, que, nas palavras do médico, não era impeditivo de gravidez, mas, pelo sim pelo não, achava que era melhor que eu fosse operada.
Fui então internada e o mioma foi retirado. Aguardei 2 meses e parti para a sexta ICSI cheia de esperança.

Foi então que o meu sonho tomou forma. O meu positivo chegou com números expressivos. Eu estava finalmente grávida e o mundo ficou, de repente, ainda mais bonito.É uma sensação tão plena que é impossível de descrever…

Quando o Francisco nasceu, depois de uma gravidez tranquila, eu chorei primeiro de alívio e só depois de felicidade. Não descansei enquanto não ouvi os seus primeiros vagidos, enquanto não tive a certeza que o meu menino estava bem e cheio de vontade de viver!
Este bebé é de todos aqueles que acreditaram nele. É dos médicos que me incentivaram, é dos biólogos que me ensinaram a acreditar sempre, é todos aqueles que sempre tiveram uma palavra amiga. E é muito de todas as minhas amigas, reais e virtuais, que sempre estiveram ao meu lado a darem-me força quando eu precisei, que me ajudaram a limpar as lágrimas quando elas caíam e que se riram comigo à gargalhada tantas vezes!

Hoje, ao olhar para trás, apesar de ter muitas vezes fraquejado, digo que passava por tudo de novo. Ter este meu filho em casa, após cinco longos anos de espera, faz com que tudo o que passou se esqueça!

A todos os que lerem este meu testemunho, gostava de deixar uma palavra de força e de esperança. Gosto de pensar que o céu está cheio de pequenas estrelas que Deus nos vai enviando devagarinho. Só que há umas estrelinhas mais especiais, das quais Ele gosta tanto que Lhe custa separar-se delas. Essas, são as que um dia vos vão chamar MÃE.

Joana Rebelo Reis (HOPE)

2 comentários:

Ana disse...

Esperança (também) de que não seja tão difícil para todas(os)...

Mar disse...

Sobretudo isso. É que com o mal dos outros podemos nós bem! Beijinhos.