Meus amigos, o que nos vendem nos filmes é uma perfeita ilusão. Isto da gravidez tem muito que se lhe diga, ao contrário do que todos julgamos saber empiricamente.
Pelo que vejo nos livros, depreendo que fazer um filho é quase como velejar. Não basta ter arte, também há que ter os ventos a favor. A ciência, a objectiva e exacta ciência, de pouco me tem ajudado neste caso concreto. As somas e as substracções, os mucos (os mucos???) e as temperaturas corporais não servem de garantia, mas apenas de indicador. Estará a dizer, "sim, isso não é preciso ler nos livros, já se sabia". Pois é, mas agora tente fazer tudo direitinho como mandam os canhânhos e constatar que falhou. Mas falhou em quê? Talvez na lua que não estava a pique? "O problema é a cabeça. Quando se pensa muito e se quer muito, é sempre ao contrário", são muitos os defensores desta tese. "Pois, pois", murmuro. "Agora temos pipis e pilinhas com personalidades fortes e sempre do contra?" Pipis e pilinhas que falam assim entre eles: "Ai é? Ai a cabeça dela pede muito, ai é? Então assim não queremos. Por isso, independentemente das intenções e das tentivas do casal, ao fim de 30 dias, vamos enviar uma viatura armadilhada para fazer explodir o óvulo. Isto não é quando eles querem, é quando nós mandamos".
Porém, antes de vos contar como me doutorei na disciplina "Fazer Meninos I, II e III", recordo o dia em que fui ao médico, ao ginecologista, anunciar em voz alta o meu propósito de vida. É que já não basta ter que abordar o assunto pela rama com o pai da criança, para não o assustar muito, ainda há que pedir a outro que nos ajude a investir.
Agora é moda e, ao que parece, seguro, as pré-mamãs de hoje não abrirem mão desta consulta com o anjo Gabriel dos papa Nicolaus. Pelo que vejo, gostam de abandonar o consultório com carradas de receitas de análises ao sangue e à urina e com um contentor de caixas de ácido fólico. Quanto a mim, esperei com muita fé que o senhor doutor me fizesse sair de lá com a indicação de uma singela análise ao chichi porque isto de espetar agulhas não é, definitivamente, comigo. Entrei no gabinete do médico que me cumprimentou com as mesmas mãos que já andaram a escarafunchar outras mulheres e a fazer nascer mais algumas, e, como habitualmente perguntou-me ao que ia. Senti-me tentada em pedir-lhe um croissant com chocolate, umas amêijoas à bulhão pato, um chuletão das Astúrias, mas respondi-lhe simplesmente, aquilo que ele, meses antes, me havia perguntado: "Agora sim, senhor doutor, é para fazer a encomenda."
"Para fazer a encomenda?", interrogou-me o meu grilo falante? "Encomenda?". "Para fazer?". Que raio de frase é esta? No instante a seguir àquele em que proferi tamanha idiotice senti-me pessimamente. Não por estar fria ou até frivolamente a materializar a vontade de ser mãe, mas porque aquela frase me soou tremendamente mal. "Estou aqui para encomendar". Acho que nem as telenovelas de gosto mais duvidoso conseguem ter deixas deste calibre. Fi-lo, porém, conscientemente por ser esse o dialecto daquele doutor. O mesmo que logo a seguir, claro está, tratou de me enviar para a marquesa para analisar as partes baixas, as altas, as médias e até as que tinham piercings. "Que bem que lhe fica", confessou, "mas vai ter que tirar", lamentou.
Enfim. Todo aquele cerimonial estava a dar-me vontade de rir. Não só pelas luvas descartáveis que ele usava, exactamente iguais às dos postos de abastecimento, mas também por me lembrar daquela estória da minha amiga que foi ao ginecologista e, no momento de se deitar na marquesa, tirou tudo, da cinta para baixo, ou melhor, quase tudo... ficaram as botas de cano alto. "Estava frio", explicou-me a rapariga. Imagino.
Esmiuçada por quem sabe, estava despachada. Faltava ainda a tensão e as receitas das análises. O meu pior receio apresentava-se aos meus olhos. Análises ao sangue e a rodos. Já quase me falhavam as pernas quando da cadeira me levantei. Em boa verdade, creio estar em condições de afirmar que um comité olímpico não seria submetido a tamanho excesso de zelo.
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Há 9 anos
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