quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Os inconsequentes

Não tem lá muita piada sentir na pele aquilo que a nós dá vontade de rir quando vemos acontecer com os outros. Falo da tentação em que todos os que nos rodeiam, e mesmo os espontâneos, se deixam cair quando o silêncio se implanta nos diálogos. Não me refiro às conversetas sobre o tempo e sobre o Governo, mas sim às outras, às de mera cusquice em que os alvos principais somos nós.
E começa desde cedo este interesse pela vida amorosa de cada um. Mal nos iniciamos na mera arte de andar, "como se chama o teu namorado?", quando se namora em idade própria para isso, "quando casas?", quando se casa, "quando vêm os bebés?", quando vêm os bebés, "quando vem o próximo?", quando vem o próximo, "e agora, a fábrica já fechou?" (A fábrica!). E a partir daqui o destinatário das perguntas, imagino, passa a ser o descendente. Porque a avaliar pela sequência, não deveria faltar muito para que a interrogação seguinte fosse: "e morrer, quando morres?".
Pois bem, já passei por algumas dessas etapas. Porém, a partir do, deixa cá ver, um, dois, três, bom, acho que a partir do quinto namorado começaram a encher-se de pruridos e a deixar de perguntar quando fazia tenções de casar. Até que chegou o dia. "Finalmente", afirmaram alguns. "Estava a ver que não", disseram outros. Casei. Por sorte saí do copo-de-água sem que me fosse dirigida a pergunta coscuvilheira do "para quando os filhinhos?". Escapei por pouco, imagino, porque no regresso da lua-de-mel, o massacre começou. Ou as amigas da mãe, ou as amigas mais indiscretas, ou os conhecidos insensíveis, ou outros quaisquer.
Inicialmente senti-me tentada em empalidecê-los, respondendo tristemente que "não podia". Só pelo prazer de apreciar as reacções. Mas não. Não fosse o Diabo tecê-las, optei por me remeter a um: "Ah, ainda não, ainda é cedo, ainda estamos a aproveitar a vida a dois". Como se depois a tencionassemos desaproveitar. Adiante que se faz tarde.
Entretanto, e porque a vontade dos dois passou a ser de querer "mandar vir a este mundo" (mais uma expressão que me diz muito) , tem sido curioso que deixámos de ser questionados sobre as nossas intenções de procriação. O último que o fez, que me lembre, foi no Natal.
- E vocês, não estão a pensar ter filhos?
- Estamos. Vem quando quiser. Ainda não quis.
Mal sabia que esta era a fórmula correcta. O inquiridor mostrou-se tão constrangido com a resposta – "Coitados, se calhar não podem", terá pensado – que, de forma arcaica, tratou de rapidamente mudar de assunto. Mudou, mas eu insisti. Já que queria falar sobre isso, então falava-se. Insisti, mas desta vez, fui forçada a desistir da ideia porque o inquirido, o tal, apresentava-se agora mais melindrado, gesticulando nãos e abanando com a cabeça como que a dizer: "Isso a mim não me diz respeito". Ai agora...

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