sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A pergunta certa

Sobre esta temática de que aqui vos falo e falarei, a de ter um filho, fizeram-me, finalmente, a pergunta mais acertada de todas e a que me deixou sem resposta imediata, o que costuma ser difícil, asseguro-vos eu. Durante longos segundos parei e respirei fundo antes de avançar a sentença.
"Queres ser mamã?". Foi esta a dita, a enigmática porém transparente questão que me colocaram hoje. Apre que com esta não contava eu. É que para os "Então e os bebés?" e para os "quando mandas vir?" a resposta torta ou o silêncio propositado costumam estar sempre na ponta da língua. Agora para uma interrogação destas, vinda de alguém que, num misto de inocência e objectividade, demonstra que se preocupa comigo e com a minha vida, sem mais, diz-se o quê?
A resposta imediata é um "sim", um romântico "sim", mas depois vem muita coisa à cabeça.
As análises ao sangue e as outras intermináveis da glicose, as dores de parto e as roupas que deixam de servir, os pontos na cicatriz, o choro a meio da noite, as mamas que gretam, as noites mal dormidas, o leite que não sai, os cocós mal-cheirosos, as assaduras, as zangas, as cólicas, a "torta", as borbulhas que podem ser de a criança estar a "medrar" ou de fazer alergia, o cocó pelas costas, o bolsar, o medo que não esteja a respirar durante o sono, a tosse, as constipações, as otites, as sopas que cospem, os cocós verdes das sopas, o preço do colégio, os sapatos ortopédicos, os mesmos filmes de animação 30 vezes seguidas, as febres, os momentos em que nos desaparecem dos olhos, as gastroentrites, as playstations, as ajudas nos TPCs no final de um dia de trabalho, as reuniões de pais, as correrias para os levar e ir buscar às escolas, o medo de quem lhes possa fazer mal, as más companhias, os maus conselhos, o pânico de a escolha recair sobre o lado errado, o receio da falha. O temor de ser eu a falhar...
E à cabeça vem também a falta de vontade de perder a liberdade, o descanso, as longas manhãs de domingo na cama, as longas noites de sábado com os amigos, as viagens, as escapadinhas, os três empregos, a paz.
Pelo que ouço e vejo – e a posição de olheira neste campeonato não pode deixar de ser mencionada –, ganha-se muito mais em responder o tal romântico "sim". Isto porque, pelo que observo, herda-se um ser que será sempre nosso, que terá sempre sangue nosso a correr-lhe nas veias (a sentença de morte, em alguns casos), que em todos os momentos saberá que nos pertence. Sem esclavagismos. Constato ainda que se ganha momentos de ternura, de verdadeiro, inesgotável e incondicional amor, de respeito, sobretudo nas grandes discussões, de emoção, de saudade.
Em boa verdade me parece que as vantagens no romântico "sim", apesar de em menor número, superam-se em termos qualitativos. E concluo que é bom saber que posso estar a um passo de receber o que tenho sido destinatária ao longo da vida por parte daqueles que, um dia, não pensaram duas vezes nas noites que iam perder, nem nos cocós que iam ter que limpar quando eu viesse ao mundo. Obrigada, pais.
Se quero ser mãe? Sim, quero. Muito.

2 comentários:

Ana disse...

Não pecebo como é que com tão poucas encomendas (ao que dizem) o serviço não funciona melhor...

(adorei os textos, posso encomendar mais?!)

Mar disse...

Pode, pois. Com este seu comentário, já não me sinto sozinha e a vontade de escrever espicaça-me novamente. Obrigada.