sexta-feira, 4 de abril de 2008

'tá feito

Acho que já deu para perceber que não sou daquelas raparigas corajosas que avançam para análises e exames – sejam eles de que natureza forem – sem receios. Daquelas ganapas que dizem que "o que tem que ser, tem muita força". Nada disso, bem pelo contrário. Sussurro vezes sem conta com os meus botões que "é por uma boa causa", mas continuo a sentir os calores, as mãos suadas e a barriga às voltas. Todos aqueles sintomas que não fazem parte do meu quotidiano, já que, até no Verão durmo de "peúcos" (como dizia uma antiga empregada dos meus pais), tenho sempre as mãos geladas e padeço de uma eterna e crónica prisão de ventre. Mas daquela prisão da qual só consigo evadir-me uma vez por semana. Segundo a minha mãe, sou assim desde pequena. Ainda na escola primária, imaginem, os nervos nas vésperas dos testes davam-me para correr para a casa-de-banho? Intestinos soltos por causa de provas de meio físico e social? Agora pensem como é que uma pessoa destas pode estar concentrada e ao mesmo tempo com as nádegas contraídas em plenas orais com professores universitários? Enfim... Adiante.
Chegada ao local tive que responder a um inquérito. Nome, idade, doenças, medicações que fazia... até aqui, tudo bem... o problema foi quando cheguei à parte do "ingeriu alguma coisa nas últimas 3/4 horas?". "Pois está claro que sim", pensei, "ainda agora almocei". "Ninguém me tinha dito para não o fazer". E no "Sim" lá tive que colocar a cruzinha. Mas a coisa piorou logo a seguir: "Se respondeu que sim, mencione o que ingeriu". "Tenho que colocar a ementa do meu almoço?", questionei a assistente que acenou positivamente com a cabeça. Bonito! E timidamente sarrabisquei: "Pataniscas/Feijão frade/Fruta". Lindo, não é? Melhor só se acrescentasse a ingestão de "meio quartilho de vinho". Adiante, mais uma vez.
Esperei uns minutitos, sempre com receio de que a coisa demorasse e fizesse passar o efeito dos dois Trifene 200 que tinha emborcado meio hora antes. Não foi esse o caso. Uma miúda baixinha e de cabelo encaracolado, de aparente mau feitio, chamou por mim e levou-me à sala onde teria de despir-me da cintura para baixo e tapar-me com uma bata que apertava com uns atilhos nas costas, calçar uns plásticos e esvaziar a bexiga. Já o tinha feito antes. Claro.
Perguntou-me também da asma e avisou-me que, provavelmente, iria ter de ministrar uma injecção de cortisona porque, por causa do contraste, havia a possibilidade de fazer alergia.
"Ó sorte!", murmurei. "Eu que gosto tanto de agulhas". E comecei a tremer ainda mais.
Assim que me aperaltei, sentei-me de perna cruzada, esperando no mesmo quartinho. As mãos estavam mais suadas ainda, as bochechas rosadas e aquela volta na barriga estava a dar-me cabo da paciência. Ui. Receando passar por vergonhas, tratei de aliviar o que havia a aliviar. Meu dito, meu feito. Agora sim, continuava com medo, mas ele já não me iria fazer borrar a pintura.
Esperei mais uns minutitos e a porta, a famigerada porta, abriu-se. Engoli em seco, sorri um sorriso amarelo e entrei.
À minha frente uma plataforma onde me deitei com os tradicionais apoios das pernas que bem conhecemos dos ginecologistas. Já na horizontal e enquanto me era colocado o garrote (é o termo mais técnico que conheço para a coisa), a rapariga que parecia de mau feitio transforma-se num doce que me explicou todos os pormenores do exame. E esta foi a parte que ouvi: "Primeiro vou desinfectá-la com betadine... vou injectar-lhe o contraste e vai sentir uma dor no fundo da barriga idêntica à do período menstrual porque o circuito é o mesmo, mas em sentido contrário. Ou seja, em vez de ser o sangue a descer é o líquido a subir". E assim foi.
Os olhos fecharam-se com a entrada da agulha que lá ficou num cateter até ao final, mas custou (custa sempre) menos do que aquilo que o meu cérebro julga custar.
Ainda de perninhas para baixo e sem aparelhos, nem líquidos, foi tirada uma radiografia normal à zona em causa. "Tem um piercing no umbigo!", disse a rapariga da cabine. "É verdade", respondi-lhe, "esqueci-me de tirar". "Não faz mal", informou-me.
Agora mais transpirada, era chegada a hora da verdade. Pernas ao alto, aqui vamos nós.
Desinfecção feita, aparelho (ou "torno", como eu lhe chamo) aplicado, liquido injectado. A dor no fundo da barriga já a sentia. "Só isto?", voltava a segredar aos botões que tinham ficado na sala ao lado. "Espero que seja mesmo só isto".
"Não respira". "Já pode respirar". Eram as instruções que vinham do meu lado esquerdo. Parecia uma anedota sobre loiras.
"Não respira". "Já pode respirar". Vira para um lado, vira para o outro, vira mais um bocadinho, agora novamente de barriga para cima e já está. Estava feito.
A dor era muito ténue. Na altura da radiografia dava uma guinadazita, mas efectivamente idêntica à que resistimos no primeiro dia da visita mensal.
Começava a descomprimir. Tinha superado aquela prova e com distinção. Sentia-me heroicamente com mais forças para enfrentar a maternidade. E achei-me mais próxima disso quando no final, a querida assistente me disse baixinho que, pelo que tinha visto à primeira, parecia-lhe tudo bem. No entanto, a apoteose deu-se quando, antes de bater a porta, a mesma rapariga, que parecia ter mau feitio, me desejou "Felicidades". Essa palavrinha bonita que costuma ter as pré-mamãs como destinatárias.
Senti-me feliz e assim continuo.
Agora já sabem. Se tiverem que passar pelo mesmo, dois trifenes pela goela abaixo e deixarem-se levar. O que custa mais é deitar o rabo na plataforma fria da mesa de raio-x.

Bom fim-de-semana.

1 comentário:

Ana disse...

Uff, já passou.

Bom fim de semana e... "Felicidades"!

:) Bjinhos